O Direito de Família nos remete a alegrias, tormentas, dificuldades, vitórias, derrotas e tudo depende de que lado da balança você está, não é mesmo?
Um tema de grande relevância foi tratado pela 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça no dia 08.06.2021, sendo ele a impossibilidade de implantação de embriões deixados pelo falecido, num caso em que a viúva, após a morte de seu marido, buscou a justiça para possibilitar a implantação dos embriões congelados.
No caso concreto, o falecido – no decorrer de sua vida – teria contraído 3 (três) matrimônios e, consequentemente, 2 (dois) divórcios: no primeiro casamento deixou dois filhos (herdeiros universais); no segundo casamento não teve filhos; no terceiro, também não deixou filhos, porém, o falecido havia deixado seus embriões congelados para possível procedimento de fecundação embrionária em clínica de reprodução humana, também conhecido como fertilização in vitro.
A viúva, de acordo com a prova dos autos ficou com a custódia dos embriões e, certamente, por não ter conseguido a implantação junto à clínica após a morte do marido, buscou na justiça o direito de realizar o procedimento, não tendo êxito em primeira instância, mas em segunda instância (Tribunal de Justiça de São Paulo) o colegiado entendeu que o fato de o falecido ter se submetido a tais procedimentos revela, por si só, a sua intenção no sentido de autorizar a implantação dos embriões.
Os herdeiros (filhos do primeiro casamento), portanto, recorreram ao Superior Tribunal do Justiça (REsp 1.918.421), de modo que o Relator, Min. Marco Buzzi entendeu ser possível a implantação dos embriões e ressaltou o entendimento estabelecido pelo Tribunal de origem, argumentando que não haveria outra razão para o procedimento senão a de ensejar a implantação dos embriões, sendo essa conduta plena manifestação de sua vontade, até porque não possuía filhos biológicos e que essa seria uma forma de alcançar a paternidade biológica.
Com efeito, o Min. Luis Felipe Salomão pediu vista dos autos e apresentou seu voto divergente no sentido da impossibilidade, trazendo aspectos doutrinários e legais, citando diversos civilistas de renome, bem como o enunciado n. 106 da I Jornada de Direito Civil.
Antes de tratar do referido enunciado, vale prescrever o art. 1.597, inciso III, do Código Civil:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
O artigo esclarece que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo após o falecimento do marido, sendo esse o caso dos autos, pois a fecundação artificial homóloga é aquela em que se utiliza apenas o material biológico dos pais, jamais de terceiros.
Enunciado n. 106 – I Jornada de Direito Civil
Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatória, ainda, a autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.
O enunciado deixa claro que a autorização expressa do falecido é fundamental para possibilitar a implantação dos embriões congelados, caso contrário tornar-se-ia impossível a sua concretização, sendo que o voto divergente acabou indo além: o falecido participou do procedimento para que, em vida, pudesse dar continuidade à fecundação artificial, que era projeto do casal e não um projeto individual, restando inexistente a autonomia de vontade do falecido no presente caso.
Somado a tudo isso, foi juntado aos autos um formulário da clínica que consta que no caso de morte de um dos cônjuges os embriões ficariam sob a custódia do cônjuge sobrevivente, que por sua vez poderia tomar algumas decisões como descartar, doar ou ceder para fins de pesquisa, não havendo, expressamente, a autorização para a implantação dos embriões.
Além disso, o falecido deixou testamento sem qualquer menção a outros filhos, bem como o hospital se comprometeu (declaração juntada aos autos) a implantar os embriões havendo expressa autorização manifestação de vontade de ambos, ou seja, tudo caminhando para a impossibilidade de implantação dos embriões.
Por maioria de votos (3×2), deram provimento ao recurso especial interposto a fim de prevalecer a decisão de primeira instância, restando clara a impossibilidade no tocante à implantação do material biológico do falecido pela total inexistência de autorização inequívoca, expressa e formal.
Apenas para melhor informar, os ministros Marco Buzzi e Maria Isabel Galotti entenderam pela possibilidade e os ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Antônio Carlos Ferreira entenderam ser impossível a implantação dos embriões do falecido.
Questão bastante polêmica, que poderia ter sido resolvida pelo testamento e, vale frisar, que a presença do advogado ou advogado é sempre indispensável.
Consulte, sempre, um advogado ou advogada de sua confiança.
Edney de Almeida Silva
Consultor jurídico em São Paulo
Especialista em Direito de Família e Sucessões