Como eu sempre digo, o Direito de Família tem tudo a ver com o dia a dia das pessoas, sendo absolutamente parte do cotidiano popular, já que diz respeito ao casamento, aos filhos, aos alimentos devidos em virtude do poder familiar e da relação de parentesco, além do malfadado adultério, que existe desde que o mundo é mundo e só causa dissabores, desestabilidade, intrigas, além de consequências emocionais desastrosas aos envolvidos, sobretudo, aos filhos.
Contudo, hoje trataremos de um tema bastante corriqueiro no Direito de Família e que diz respeito à ação de investigação de paternidade, normalmente proposta pelo filho havido fora do casamento, representado pela mãe nos casos em que ainda seja menor de idade, sendo certo que se o filho já tiver atingido a maioridade a representação materna estará afastada.
Ação judicial imprescritível
O informativo em questão tem a finalidade de esclarecer que a competente ação de investigação de paternidade é imprescritível, ou seja, pode ser proposta a qualquer momento, independentemente da idade do Autor da ação (filho).
Estatuto da criança e do adolescente
O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu art. 27, deixa claro que além de imprescritível, o reconhecimento da filiação é um direito personalíssimo e indisponível, observando-se o sigilo judicial, conforme segue:
“O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.”
Claro que quando houver reconhecimento espontâneo de filho havido fora do casamento, nos moldes da lei 8.560/1992, a questão estará resolvida, mas sabemos que em boa parte dos casos a recusa é imediata e permanece até que a situação seja levada a uma das Varas de Família e Sucessões.
Lei 8.560/1992
Investigação de paternidade de filhos havidos fora do casamento
Importante consignar alguns artigos da lei 8.560/1992, que disciplina a investigação de paternidade e estabelece as formas de reconhecimento espontâneo, além das providências que devem ser adotadas em caso de negatória acerca da alegada paternidade.
Art. 1° O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
I – no registro de nascimento;
II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV – por manifestação expressa e direta perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
O art. 1º deixa claro que o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento não pode ser desfeito e seus incisos trazem as formas de reconhecimento, sendo aquelas sem maiores desdobramentos ou resistência por parte do suposto pai.
Art. 2° Em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação.
Caso a mãe informe ao oficial de registro civil que há um suposto pai, este será averiguado acerca de tal alegação, podendo reconhecer ou negar a paternidade.
§ 1° O juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe sobre a paternidade alegada e mandará, em qualquer caso, notificar o suposto pai, independente de seu estado civil, para que se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída.
§ 2° O juiz, quando entender necessário, determinará que a diligência seja realizada em segredo de justiça.
§ 3° No caso do suposto pai confirmar expressamente a paternidade, será lavrado termo de reconhecimento e remetida certidão ao oficial do registro, para a devida averbação.
O juiz da Vara de Registros Públicos, caso o suposto pai seja casado e se assim entender necessário, determinará que os trâmites necessários sigam em segredo de justiça.
Inércia e negatória da paternidade
§ 4° Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias, a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade.
Caso o suposto pai não se manifeste no prazo legal ou negue a paternidade, os autos serão encaminhados ao Ministério Público a fim de que este ingresse com a ação de investigação de paternidade.
Antes da Carta de 88
Discriminação e inexistência de direitos
Importante destacar que antes da Constituição Federal de 1988, os filhos havidos fora do casamento não tinham qualquer direito, sendo criados apenas pela mãe e à própria sorte, além da impossibilidade de buscarem em juízo reconhecimento de filiação, nem tampouco alimentos, já que o Estado reconhecia tão-somente as famílias formadas pelo casamento, restando às famílias formadas sem a chancela do casamento o descaso, a discriminação e a ausência absoluta de direitos.
Após promulgação da Carta Magna
Dignidade e igualdade de direitos
Com a promulgação da Carta Magna, todos os filhos passaram a ser tratados de forma equivalente, independentemente de sua origem, elevando o direito de filiação a um patamar extremamente relevante, livre de preconceitos e discriminações pretéritos.
Senão, vejamos:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
A Magna Carta afastou as discriminações de um passado cruel e trouxe dignidade aos filhos havidos fora do casamento, além de estender aos filhos havidos por adoção os mesmos direitos, vedando menções discriminatórias no tocante à filiação.
Súmula 149
Supremo Tribunal Federal
Após esse pequeno apanhado de informações, cumpre afirmar que a ação de investigação de paternidade é imprescritível, podendo ser proposta a qualquer tempo, consoante entendimento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, in verbis:
“É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança.”
Assim, não poderá o suposto pai alegar – em sede preliminar – perda do direito de ação pelo fato de o filho ter ingressado com medida judicial investigatória de paternidade após décadas de seu nascimento, visto que enquanto esse filho viver terá direito de pleitear a ação investigatória de paternidade, utilizando-se de todos os meios legais e os moralmente legítimos para provar a verdade dos fatos.
Edney de Almeida Silva
Consultor jurídico em São Paulo
Especialista em Direito de Família e Sucessões