Juiz da vara da família afronta a lei maria da penha e destrata as partes em audiência

O Direito é uma ciência, um conjunto ordenado e sistematizado de princípios e regras jurídicas, que garantem – ou pelo menos deveriam garantir – a convivência social, o bem estar das pessoas, a resolução de conflitos, sendo aos olhos do povo lei e ordem, palavras que viabilizam, teoricamente, a nossa vida em sociedade.

Aliás, seria absolutamente impossível a convivência, inviável qualquer tentativa de negociação e extremamente barulhento o mundo sem leis e ordem, não é mesmo? As pessoas resolvendo todos os seus problemas como bem entenderem, no tapa, na faca e na bala. Não, isso ficou lá atrás e temos o dever de evoluir a espécie, não o contrário.

Até o mais leigo dos homens entende a necessidade de um conjunto de normas e princípios, e nós operadores do Direito temos a obrigação de exercer nossas funções, que são essenciais à justiça, observando a ética, os princípios constitucionais, a democracia, as leis e a ordem.

Feitas essas considerações e diante do vídeo que tem circulado pelas redes sociais, cujos direitos são da Band Jornalismo (https://youtu.be/bjP4RA3LD4Y), não há como não se indignar, não há como simplesmente olhar o vídeo e deixar pra lá, pois é preocupante o cenário atual, onde juízes de Direito agem como se não houvesse lei, em total desrespeito aos princípios constitucionalmente consagrados, ao que diz o seu Código de Ética, sem a mínima observância do que se espera de uma autoridade judicial.

Além disso, é importante destacar o despreparo de muitos magistrados, o destempero e a falta de estrutura emocional para lidar com os casos que lhes são apresentados, na contramão de todo um ordenamento jurídico, o que preocupa e muitos não só a sociedade, – que espera uma digna distribuição da justiça -, mas também aqueles que lutam todos os dias para fazer valer os direitos de seus constituintes, os advogados.

O magistrado Rodrigo de Azevedo Costa, ao proferir algumas frases – detalhadas abaixo – demonstra não ter a mínima capacidade para ocupar uma cadeira tão importante, num comportamento grosseiro, desumano e com fortes indícios de despreparo funcional/emocional, agindo ao arrepio da lei, desconsiderando princípios constitucionais, morais, éticos e o que estabelece o próprio Código de Ética de sua Classe.

Senão, vejamos.

Se tem Maria da Penha, não tô nem aí…uma coisa eu aprendi na vida de juiz, ninguém agride ninguém de graça

Eu já falei aqui, eu não sei de medida protetiva, não tô nem aí pra medida protetiva e tô com raiva de quem sabe dela

mas ela não quis a guarda, agora esse homem precisa trabalhar, essa mulher precisa trabalhar…esses dois vão ter que resolver entre si quem vai ficar com a criança, senão dá pra adoção, põe num abrigo, sei lá, faz alguma coisa assim

a senhora ganha R$ 1.300,00 e quis ter 2 filhos…se o pai é um mal pai, eu não tenho culpa, eu vou fazer o que? Eu vou pegar esse negão e vou encher ele de tapa? Não é meu trabalho esse

a senhora é nova, é bonita, vai arrumar um namorado que vai ficar na sua casa com eles e o trouxão ainda pagando alimentos

a senhora escolheu um mal pai, a senhora escolheu um cara sem dinheiro…pq as vezes as pessoas não têm culpa de serem pobres e não terem dinheiro, né?”

As frases falam por si só e não há muito o que comentar a respeito delas, a não ser deixar claro que não foi um ato digno de um dos membros da magistratura bandeirante, muito pelo contrário, além de não observar as leis de seu país, de atropelar a dignidade das partes – inclusive da própria advogada -, demonstrou total desconhecimento acerca do Código de Ética da Magistratura Nacional, conforme segue.

CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores democráticos.

Art. 3º A atividade judicial deve desenvolver-se de modo a garantir e fomentar a dignidade da pessoa humana, objetivando assegurar e promover a solidariedade e a justiça na relação entre as pessoas.

Na minha concepção, o magistrado demonstrou não conhecer nem seu próprio Código de Ética, já que não primou pelo respeito à Constituição da República, às leis, aos princípios de cortesia, prudência, dignidade, nem tampouco fomentou a dignidade da pessoa humana ou agiu a fim de promover a solidariedade e a justiça entre as partes envolvidas.

Além disso, desdenhou de uma lei tão importante, quiçá a mais importante no tocante à defesa das mulheres, afirmando com todas as letras que não estava nem aí pra Lei Maria da Penha e que aprendeu – em sua vida como juiz – que ninguém agride ninguém de graça.

CAPÍTULO VII

CORTESIA

Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça.

Parágrafo único. Impõe-se ao magistrado a utilização de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível.

Se tem algo que o magistrado não observou foi o dever de cortesia, desmerecendo as partes sem qualquer preocupação, utilizando-se de uma linguagem altamente desrespeitosa, indigna de quem ocupa um cargo de tal relevância.

CAPÍTULO VIII

PRUDÊNCIA

Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável.

Art. 25. Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar.

Art. 26. O magistrado deve manter atitude aberta e paciente para receber argumentos ou críticas lançados de forma cortês e respeitosa, podendo confirmar ou retificar posições anteriormente assumidas nos processos em que atua.

No caso em questão, não há falar-se em prudência, cautela e atitude cortês, muito menos considerar que sua fala tenha decorrido de um juízo justificado racionalmente, visto que fez diversos juízos de valor e dos mais absurdos (considerar dar os filhos pra adoção, abrigose apanhou, foi por merecimentoa mulher poderia arrumar um namorado, que conviveria com os filhos e o “trouxão” do pai das crianças continuaria pagando pensão), ainda mais vindo de um juiz da Vara da Família, que tem a obrigação de ser acolhedor, humano e extremamente responsável com suas palavras e decisões.

CAPÍTULO X

conhecimento e capacitação

Art. 29. A exigência de conhecimento e de capacitação permanente dos magistrados tem como fundamento o direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral à obtenção de um serviço de qualidade na administração de Justiça.

Art. 30. O magistrado bem formado é o que conhece o Direito vigente e desenvolveu as capacidades técnicas e as atitudes éticas adequadas para aplicá-lo corretamente.

Art. 31. A obrigação de formação contínua dos magistrados estende-se tanto às matérias especificamente jurídicas quanto no que se refere aos conhecimentos e técnicas que possam favorecer o melhor cumprimento das funções judiciais.

Art. 35. O magistrado deve esforçar-se para contribuir com os seus conhecimentos teóricos e práticos ao melhor desenvolvimento do Direito e à administração da Justiça.

O magistrado demonstrou desconhecimento não só da lei e de suas obrigações funcionais, mas também da realidade das pessoas envolvidas, restando claro não ter a mínima capacidade de ocupar a cadeira de juiz da Vara da Família, pois trata-se de uma área bastante peculiar e que necessita de alguém com o mínimo de sensibilidade, humanidade, empatia, respeito, bom senso e experiência de vida.

O magistrado Rodrigo de Azevedo Costa, segundo o Portal Papo de Mãe (https://papodemae.uol.com.br/2021/01/07/juiz-que-desdenhou-da-lei-maria-da-penha-sai-da-vara-de-familia/), foi transferido para uma das Varas da Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo e sua conduta será devidamente apurada.

A nossa luta é diária e aproveito para citar uma declaração dada pelo Corregedor Nacional de Justiça (06/08/2020), Ministro Humberto Martins, durante um Congresso Pernambucano “Pense Direito! O Futuro da Advocacia em Debate”, promovido pelo Instituto M133:

Sem advogado não há justiça. Sem justiça, não há cidadania. Advogado forte, cidadania respeitada.”

Portanto, devemos nos capacitar – pessoal e profissionalmente – todos os dias, visando o bom e respeitoso embate judicial e fazendo valer todos os direitos e garantias de nossos constituintes, com observância de nossas prerrogativas profissionais, numa advocacia digna, independente, ética e pautada pela Constituição Federal e boa aplicação das leis.

Edney de Almeida Silva

Advogado militante em São Paulo

Especialista em Direito de Família e Sucessões

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