Em curtas palavras, o poliamor ou união poliafetiva é a relação de afeto entre 3 (três) ou mais pessoas, onde uma sabe da outra, em total transparência e essa relação é consentida por todos, havendo interação recíproca de amor, igualdade entre aqueles que participam da relação, fidelidade, respeito e inexistência absoluta de ciúmes segundo seus adeptos.
Portanto, de acordo com aqueles que se encontram inseridos nesse contexto poliamorista, as principais características são: 1) relação entre 3 ou mais pessoas, não havendo limites quanto ao número; 2) transparência entre os participantes; 3) consentimento de todos; 4) igualdade no tratamento; 5) inexistência de ciúmes; 6) fidelidade e 7) respeito.
Após essa breve introdução, vale esclarecer que a ideia desse informativo não é tratar de questões morais, religiosas ou quaisquer outras que não sejam o direito em si, tendo em vista que os adeptos da união poliafetiva buscam o reconhecimento jurídico, desejam que a união poliamorista seja abraçada pelo direito de família, ou em outras palavras, seja reconhecida como núcleo familiar e esse singelo texto tratará exatamente de sua possibilidade ou não, do ponto de vista estritamente jurídico.
Crime de bigamia – art. 235, do Código Penal
Importante consignar, inicialmente, que o Brasil adotou a estrutura monogâmica, tanto é verdade que o nosso ordenamento jurídico estabelece a pena de reclusão de 2 a 6 anos para aqueles que contraírem um segundo matrimônio (art. 235, do Código Penal).
Além disso, aquele que não é casado e contrai núpcias com pessoa casada, sabendo dessa circunstância, é punido com pena de detenção de 1 a 3 anos, o que quer dizer que não há falar-se em famílias paralelas no ordenamento jurídico brasileiro.
Características do Casamento
Todavia, o casamento é formal e solene por natureza, sendo que um dos deveres conjugais é a fidelidade recíproca, conforme estabelece o art. 1.566, inciso I do Código Civil:
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I – fidelidade recíproca;
II – vida em comum, no domicílio conjugal;
III – mútua assistência;
IV – sustento, guarda e educação dos filhos;
V – respeito e consideração mútuos.
O dever de fidelidade decorre do princípio da monogamia, não havendo a possibilidade de uma terceira, quarta, quinta ou sexta pessoa nessa relação.
União Estável
A união estável, por sua vez, é isenta de formalidades, tratando-se de uma situação de fato, informal e que, inclusive, não altera o estado civil dos conviventes, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, devendo, necessariamente, estar presente o objetivo de constituição de família.
Muito embora seja uma entidade familiar informal, a própria Constituição Federal estabelece que o seu reconhecimento se dá entre o homem e a mulher, ou seja, a Carta de direitos em seu art. 226, § 3º confirma a existência de apenas 2 (duas) pessoas, não dando margem ou se omitindo nesse sentido.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Apenas para facilitar o entendimento, o Supremo Tribunal Federal em 2011, interpretou a situação com base na Constituição Federal e considerou possível a união estável entre pessoas do mesmo sexo (http://almeidaadv.adv.br/uniao-homoafetiva/o-reconhecimento-da-uniao-homoafetiva-como-entidade-familiar-stf/).
De qualquer sorte, o texto constitucional não abre espaço para dúvidas no tocante à quantidade de pessoas que estão inseridas numa união estável, restando claro que não há brecha jurídica ou espaço para discussões nesse particular, a não ser que o Congresso Nacional modifique o texto constitucional.
O Código Civil caminha nesse mesmo sentido, já que o art. 1.723 estabelece que é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Mais uma vez, vale ponderar que com a decisão do STF em relação à união homoafetiva, a leitura que deve ser feita é a seguinte: união estável entre duas pessoas, já que atualmente tanto a união estável entre pessoas do mesmo sexo quanto o casamento entre pessoas do mesmo sexo são legalmente possíveis no Brasil.
Por que foi possível o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo e não é possível o reconhecimento da união estável entre 3 (três) ou mais pessoas?
Juridicamente, a resposta é muito simples.
Em relação à união homoafetiva, imperou-se o preconceito e o Legislativo não colocava em pauta a possiblidade de união estável entre pessoas do mesmo sexo, nem tampouco o casamento entre pessoas do mesmo sexo, cabendo ao Supremo Tribunal Federal – guardião máximo da Constituição Federal – a resolução desse impasse e essa questão já foi tratada por aqui (http://almeidaadv.adv.br/uniao-homoafetiva/o-reconhecimento-da-uniao-homoafetiva-como-entidade-familiar-stf/).
Muito embora a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional estabeleçam que a união estável se dá entre homem e mulher, os ministros do STF não encontraram qualquer dispositivo legal que vedasse, impedisse ou impossibilitasse a união estável entre pessoas do mesmo sexo, ou seja, a norma jurídica não proíbe a união estável entre pessoas do mesmo sexo, nem tampouco o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que não acontece com a união estável entre 3 (três) ou mais pessoas, pois esse formato de relação não consegue ultrapassar a barreira da duplicidade de conviventes.
Assim, o reconhecimento da união estável só é possível entre 2 (duas) pessoas, nos moldes dos artigos 226, § 3º da Constituição Federal e 1.723, do Código Civil, independentemente de questões relacionadas a preconceito, moral ou religiosa.
Portanto, a união estável só é possível entre 2 (duas) pessoas – do mesmo sexo ou não – e uma terceira pessoa tornaria o relacionamento viciado pelo adultério, sendo, portanto, uma amante e no âmbito do direito de família e sucessões direito algum faria jus.
O nosso ordenamento jurídico, portanto, não comporta esse formato de família, já que a estrutura monogâmica prevalece em nosso país.
Conselho Nacional de Justiça
Da impossibilidade de escritura pública de união estável poligâmica
Após o surgimento de algumas escrituras públicas de união poliafetiva (Tupã, São Vicente e RJ), o CNJ foi provocado pela Associação de Direito de Família e das Sucessões em abril de 2016, para que tomasse providências no sentido de proibir tais registros, sendo que em junho de 2018 (26/06/2018), determinou – em decisão plenária – que as corregedorias de justiça proibissem os cartórios nesse sentido, ressalvando o Min. João Otávio de Noronha, que escritura pública serve para declarar a vontade das partes, mas essa vontade tem de ser lícita e seria apenas esse o ponto, ponderando a Min. Carmen Lúcia que todos têm o direito à liberdade, sobretudo o direito à liberdade sexual, amorosa e de convivência, direitos estes garantidos pela Carta Magna, mas tais registros devem estar revestidos de legalidade.
A formalização (união estável ou casamento) da união poliafetiva não é permitida pela lei e os Cartorários, tendo em vista a ilicitude apontada, não devem lavrar escrituras públicas de união poliafetiva.
Entendimento do STJ
O Superior Tribunal de Justiça entende pela inadmissibilidade do reconhecimento de relações paralelas, sendo que se uma das relações for considerada união estável, as demais serão consideradas concubinato ou sociedade de fato, salientando que os magistrados devem se atentar aos princípios constitucionais (dignidade, liberdade, afetividade, igualdade, na busca da felicidade), mas com redobrada atenção ao primado da monogamia.
Portanto, dessa relação poliafetiva apenas a união entre duas pessoas (do mesmo sexo ou não) seria considerada válida, legítima, lícita e sendo reconhecida a união estável, as demais relações – consideradas paralelas -, seriam tidas como concubinato, que por sua vez sem qualquer reconhecimento legal.
Conclusões Finais
A nossa legislação considera válida e legítima a existência de apenas um núcleo familiar, não podendo haver uma terceira pessoa, pois caso aconteça a segunda relação estaria viciada pelo que o ordenamento jurídico chama de concubinato, que por sua vez, tornaria nulo o segundo relacionamento.
Além disso, recentemente (15/12/2020), o STF considerou ilegítima a existência paralela de duas uniões estáveis, ou de um casamento e uma união estável, inclusive para efeitos previdenciários, sendo que no caso concreto, por maioria de votos, o Plenário negou provimento ao Recurso Extraordinário RE n. 1.045.273, com repercussão geral reconhecida, estabelecendo que “a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, parágrafo 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro“.
Assim, resta claro que as pessoas podem se relacionar como bem entenderem e da forma que considerarem mais apropriada, só não terão a chancela do Estado, ou seja, 3 (três) pessoas, por exemplo, podem dividir o mesmo imóvel, se relacionarem afetiva e sexualmente entre si e até se considerarem uma família, não sendo possível, contudo, a formalização do trisal – ou mais pessoas – por meio de uma escritura pública de união estável, nem tampouco pelo casamento.
Em caso de dúvidas, busque sempre a orientação de um advogado ou advogada de sua confiança.
Edney de Almeida Silva
Consultor jurídico em São Paulo
Especialista em Direito de Família e Sucessões